Nunca te disse isto, mas às vezes receio perder bocadinhos de ti. Tenho medo de te perder naquelas horas de caminho num autocarro de casa para a escola, ou da escola até casa. Tenho medo de te perder numa flor de jardim, numa gota de chuva, numa folha rasgada em cima da mesa. Tenho medo de te perder aos bocadinhos. E eu sei que dizes sempre que não tenho de ter medo, porque a nossa amizade é forte, mas há coisas que não consigo evitar e esta é, sem dúvida, uma delas. Tenho medo que te esqueças de mim e que, de um dia para o outro, de um segundo para o seguinte, eu e tu deixemos de existir. O tempo corre, e nem sempre espera. O tempo corre, e pode não esperar por nós. E é disso que eu tenho medo, sobretudo: que nos percamos um do outro. Que tu vás por aí e eu por aqui. Eu sei perfeitamente que, mais tarde ou mais cedo, isso vai mesmo acontecer. Vai acontecer tu ficares aí e eu ir, tu ires e eu ficar aqui. Mas quero, até lá, construir uma linha, um caminho alternativo àquele que escolhermos seguir. Um caminho que, dê lá as voltas que der, me leve sempre a ti, te traga sempre a mim. É esse caminho que vou percorrer, ao fim de um dia inteiro de trabalho, para saber como estás, para te ver rir e sorrir, e no fim dizer-te “até amanhã”. É esse caminho que vais andar, ao fim de um dia de trabalho, para desabafares comigo e, no fim, eu te ouvir cantar para mim. Gostava muito que cantasses para mim mais vezes. Tenho a certeza que nesse caminho que vamos percorrer, nessas músicas que vamos cantar, nessas palavras que vamos trocar, vou encontrar de novo os bocadinhos de ti que agora receio perder. Tenho a certeza que no fim de tudo isto, se esse fim existir, eu e tu seremos quem somos agora, mesmo que se passem cem anos desde a última vez que nos vimos. Sabes porquê? Porque eu quero e vou sempre querer guardar quem somos agora, sem perder nenhum bocadinho de nós.