Queria poder dizer-te, agora, que estou diferente. Mudei. Mudei muito desde que te foste embora. Sabes, já vivo sozinha, num T1 perto de Belém. Tu conheces muito bem este sítio, tal como a palma da tua mão. Deixei a casa dos meus pais há três meses. Gosto de estar aqui, gosto de viver aqui. Consigo conciliar bem a universidade com o meu emprego. Sabes o que faço, agora? Para além de passar o dia na universidade, às cinco horas da tarde entro num Health Club aqui perto. Não é o melhor, mas ainda não perdi a simpatia de que tu tanto gostavas e sou das recepcionistas mais bem pagas lá do clube. Gostava de estivesses aqui, queria que estivesses aqui para me ires levar de carro às cinco horas da tarde e assim eu não precisava de correr muito para apanhar sempre o autocarro a tempo. Só lá estou até às nove. Saio a essa hora e venho descansada até casa, porque o Miguel – que trabalha comigo – me acompanha sempre. A casa dele fica perto da minha, e ele insiste sempre em vir trazer-me em casa. Gosto dele, sabes? Não tanto como gostei, e talvez ainda goste de ti, mas gosto. São gostares diferentes, acho eu. Se voltasses, queria explicar-te tudo. Se voltasses, deixava de gostar tanto dele para passar a gostar outra vez de ti. Eu e o Miguel conversamos sobre tudo, estamos muito à vontade um com o outro. Ele gosta de mim, aproxima-se de mim quando eu menos espero, quando eu mais acho que se afastaram todos. Entendes o que te quero dizer? Ultimamente, ele faz o que mais ninguém é capaz de fazer. Desde que te foste embora que as coisas mudaram muito. Bem sabes que não fiquei bem. Desde que te foste embora que nada voltou a ser o mesmo, e tu sabes. Tu sabes de tudo. sempre soubeste de tudo, mas mesmo assim foste. Foste sem querer saber, sem te importar com o que estavas a deixar para trás a cada dia, a cada hora e a cada minuto. Mas sabes, eu gosto de ti como nunca gostei de ninguém. E, não colocando em causa, a importância que o Miguel tem na minha vida, se aparecesses aqui agora, eu voltava a gostar de ti outra vez. Se voltasses agora, me pedisses desculpa, e pudéssemos conversar. Agora estou diferente. Dei demais. Dei-me demais. Não devia tê-lo feito. És a prova viva disso. Dei-me demais a ti. Tanto que ainda hoje sou tua sem tu me quereres. Já não me queres, não é? Perdi o interesse. Deixaste de gostar de mim no dia em que saíste de casa. por isso é que saíste. Já não gostavas de mim. ainda bem que o fizeste assim, a sério. Poupam-se mal entendidos, chatices e coisas que não valem a pena. Prefiro que tenhas assumido tudo, não queria continuar a viver numa mentira, um ciclo vicioso enorme do qual tão depressa não sairemos. Eu e tu estamos ligados para sempre, mesmo na corda bamba. Porque podemos discutir, muito gravemente, que eu oferecer-te-ei ajuda no dia seguinte se vieres ter comigo. sei que farás o mesmo comigo. não existem relações como a nossa. Confiança, liberdade, distância, expressão, dimensão, amor, amizade, transparência. Esta última é a mais importante. Não é fácil tornarmo-nos transparente para alguém. Demora tempo. Exige calma, paciência, força de vontade de muita coragem. Temos que mostrar mais de nós. Eu e tu mostrámos tudo. somos, ou éramos tudo. não gosto de nos conjugar no passado, quando sei que ainda estás tão presente.  Fico sempre contigo. sintas o que sentires, vás onde fores. Sempre é sempre, e eu quando prometo é para cumprir. Cheguei agora das compras, o Miguel também foi comigo hoje. carregou-me as coisas até cá acima. Gosto muito dele, convidei-o para jantar. Gostava que lesses o que te estou a escrever, a sério que sim. Arranjo maneira de leres. Pode ser que assim percebas coisas que te estão mesmo à frente dos olhos e tu não queres ver. acorda. Acorda porque eu estou aqui, e só queria contar-te tudo agora. De uma vez, sem parar. De repente, porque devagar perde-se muito. Pode perder-se tudo.